Bruna Silveira
Do lado de lá, uma lona, palhaços, músicos, magia, arte, público, vida, ficção, angústia, gargalhadas e uma câmera. Do lado de cá, cadeiras, um teatro vestido de cinema, olhares atentos, ouvidos aguçados, cochichos, risadas, lágrimas, uma tela e aquele eterno cheirinho de pipoca. Lá fora, palco, crianças, fantasia, realidade, ladrilhos pisados por sapatos compridos e redondamente pontudos, cidade colorida por narizes vermelhos, algodão doce, bolas de sabão, rostos-sorrisos... Ah, era o circo! O circo que invadiu Mariana e a deixou assim, a pintou assim, sem medo das tintas, sem pudor das gargalhadas longas, daquelas que fazem até a barriga doer.
Eram três os mundos da noite de domingo na pequena cidade. Um, apesar de ter até quem o dirigisse, aplicava gotas reais de sensibilidade a quem o assistia, peça de outro dos mundos. Mais que uma sessão, “O Palhaço” foi um espetáculo. Mais que um espetáculo, o que vimos foi a vida por trás das cortinas. E se engana quem pensa que ela é sempre marmelada, goiabada e luz. O homem pintado de piadas pensa em futuro, tem sonhos e pode até se magoar.
As cores do picadeiro do “Circo Esperança” se misturaram à escuridão do cinema, camuflaram o que era real e iluminaram o mundo de cá. À flor da pele ficaram os sentidos, que quase podiam tocar os pensamentos de Benjamim, intensamente traduzidos por Selton Mello.
Como todos que cá estavam, ele tinha um sonho. Como todos que lá fora andavam, ele tinha angústia. O palhaço Pangaré, ou o Benjamim, era a graça que as pessoas encontravam para o dia-a-dia. Estranho, e quem mesmo faz o palhaço sorrir?
Ao fugir, ao sentir falta do vermelho vivo, daquele tom amarelado e dos aplausos, ele achou a resposta que procurava. Quem faz o palhaço sorrir é o picadeiro, são as cores, é cada sorriso arrancado de alguém, é cada olhar com admiração, é a sanfona, é a maquiagem, são os sons improvisados da corneta, são as repetidas brincadeiras. Quem faz o palhaço sorrir é a sua vocação para ser o que é, palhaço.
Os três mundos ontem se abraçaram. Os créditos apareceram e as pessoas com certeza não saíram do SESI do mesmo jeito que entraram. Com certeza aplaudiram aqueles artistas que se apresentavam lá fora com uma vontade diferente. Ao rir deles, agora mais do que simplesmente achar engraçado, pensavam em dom, em alma.
Porque, afinal de contas, cada um deve fazer o que sabe fazer. O gato bebe leite, o rato come queijo e eles? Ah, eles, sim, são palhaços.
Foto: Di Anna Lourenço |
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